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Dos programas aos apps



Os softwares ou programas de computador foram popularizados no Brasil sendo chamados simplesmente de programas. Fazia sentido: se eles eram programados (pelos programadores) para fazer algo, parecia natural que fossem chamados de programas. (Todo programa é concebido e executado de forma aplicada a algum problema ou tarefa). Antes da Internet, os programas eram comprados – em disquetes e, mais tarde, em CDs – para ser instalados nos computadores.

O surgimento da Internet trouxe os websites. Todo site era (e é) um programa (ainda que alguns possam ser bem simples). O website era feito para os internautas – e, naturalmente, só era visitado quando os internautas iam até ele.

Então, as empresas começaram a colonizar a Internet. Começaram a aparecer os seus sites que objetivavam... fazer dinheiro (o que não era o caso da maioria dos primeiros sites). Para as empresas, não era realmente muito conveniente que elas ficassem esperando, na dependência de 1) o internauta lembrar da existência do site, e 2) fazer o movimento de visitá-lo. Isso não era bom para fazer dinheiro. As empresas pediam, à época, em suas propagandas: “Visitem o nosso site!”. E foi assim, por anos.

Quando os celulares já haviam evoluído para uma capacidade gráfica e de processamento suficientes, algum empresário pensou: “Espere, e se nós conseguirmos fazer com que as pessoas instalem em seus celulares programas de nossas empresas, de nossas lojas? Assim, não precisaríamos esperar que elas visitem os nossos sites!, pois os nossos programas, em seus celulares, irão realizar ações que as farão visitá-los! E hoje as pessoas estão com os seus celulares em todos os lugares, em todos os momentos!” Alguém deve ter comentado: “Brilhante!”.

Havia agora um pequeno desafio à frente: que nome dar a esses programas, de modo a facilitar que as pessoas os instalassem? O nome programa (de computador) já era um termo velho, cansado, associado à cultura nerd... (quando esta ainda não havia dominado o mundo...). Então, algum empresário disse: “Por que não chamamos isso de aplicativo?” Tinha certa lógica; afinal, como vimos, os programas são exatamente isso, aplicações a certas tarefas. E assim eles foram chamados. E logo alguém observou que “aplicativo” era um termo com pouco ou nenhum appeal... E então, alguém propôs que eles fossem chamados simplesmente de... app.

(Quando isso começou a acontecer, fiquei um tempo intrigado, me perguntando: por que eles resolveram dar outro nome para os programas?...)

Mas, quem ia querer ficar instalando “aplicativos” em seus telefones? Isso não pareceria algo... invasivo? Isso foi facilitado pela troca do verbo “to install” (instalar) pelo verbo “to download” (baixar). “Instalar” é de certa forma agressivo, invasivo; mas “baixar” é cool, bacana. E, assim, as empresas puderam colocar comerciais na TV, com belos modelos dizendo (sorrindo) ao final: “Baixe o nosso aplicativo”. Funcionou.

Para oferecer a sempre demandada comodidade àqueles que não queriam ter o trabalho de procurar e baixar o aplicativo, eles inventaram o QR Code, e disseram: “Aponte a câmera do seu celular para o QR Code e visite o nosso site!”.

Os aplicativos instalados no celular foram programados para a toda hora fazer barulhinhos e mostrar números coloridos para chamar (sequestrar) a atenção das pessoas e fazê-las visitar o “site” da empresa, para que esta pudesse... capitalizar. Deram também um nome aos barulhinhos e números: “notificações”. (E passaram, sem vergonha, a pedir na TV: “Habilite as notificações em nosso aplicativo!”). A estratégia passou também a ser largamente usada em um tipo particular de programa chamado de “rede social”. Os barulhinhos seguem apitando e os números coloridos saltando na telinha, desconcentrando e estressando as pessoas (sem que elas percebam...). Estes programas que as pessoas foram convencidas a instalar em seus celulares criaram a atual era da economia da atenção.

[2020]


CC BY-NC-ND 4.0 2023 Tinta no Papel