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Por que a grande mídia não fala das redes sociais não comerciais?



Há alguns anos já, é bem raro ler ou assistir um jornal sem encontrar alguma notícia sobre as “redes sociais”. Duas coisas chamam particularmente a atenção nestas notícias.

Primeiro, elas são, quase sempre, notícias ruins: as “redes sociais” associadas à crise mundial de desinformação e fake news (atingindo fortemente os campos da política e saúde pública); a golpes financeiros diversos (inclusive a partir de redes sociais de namoro); ao impacto na capacidade de concentração e rendimento escolar de crianças e adolescentes; a transtornos de ansiedade, distúrbios do sono e depressão em adolescentes e adultos; a transtornos alimentares e distúrbios relacionados à percepção de seus corpos, especialmente em meninas adolescentes; à percepções de uso insatisfatório do tempo pessoal; ao desinteresse por suas timelines, cujos algoritmos deixaram de mostrar os posts das pessoas queridas e passaram a privilegiar os posts das “marcas” (empresas); às estratégias bizarras de influencers no vale-tudo em busca da monetização; à práticas extravagantes de exibicionismo e mortes por selfies... (Não à toa, já se tornaram comuns as queixas em relação à qualidade das experiências nas “redes sociais”, os anúncios (feitos nas redes) dos retiros “detox digital” (de um fim de semana, uma semana...), a clara associação entre “redes sociais” e comprometimentos diversos na saúde mental de seus usuários).

Segundo, apesar do grave e caótico cenário que acabamos de lembrar, o que seguimos vendo nos veículos midiáticos são jornalistas falando sempre e somente sobre as “redes sociais”, como se estas existissem como um único conjunto, homogêneo em suas características; quando, na verdade, eles estão sempre a falar sobre as “redes sociais comerciais” – e quase nunca falando sobre as “redes sociais não comerciais”, sua existência mesma e suas características.

A pergunta, então, que colocamos: o que está acontecendo? Por que estes profissionais, supostamente bem informados e conhecedores do seu “ambiente” não estão cobrindo (e com entusiasmo) as redes sociais não comerciais? Afinal, não poderiam elas, pelas suas características, resolver os grandes problemas, descritos acima, causados pelas redes sociais comerciais? Restaurando, assim, um contexto de saúde mental na sociedade pelo menos prévio à popularização das redes sociais comerciais? (Sim, elas poderiam realizar isso). Ou, deveríamos imaginar que estes profissionais de mídia desconhecem a existência das redes sociais não comerciais?

Então, lembramos de algumas coisas... Lembramos que há poucos anos os canais de notícias das TVs por assinatura passaram a encerrar as edições dos seus jornais exibindo, juntas, as suas logomarcas e as logomarcas das várias redes sociais comerciais. (Qual foi o custo disso para o campo das escolhas editoriais destas empresas?). Lembramos que os jornais (antes impressos, agora principalmente on-line) dependem de ter as suas matérias “viralizando” nas redes sociais comerciais para monetizar algo com publicidade ou com informações que coletam dos leitores. De vez em quando, até algum bom podcast jornalístico aborda de forma crítica o atual cenário caótico das redes sociais comerciais – mas, sem mencionar as redes sociais não comerciais (afinal, eles terminam os programas pedindo likes na plataforma comercial de vídeo, pedindo 5 estrelas na plataforma comercial de áudio...). Neste contexto de arranjos e contratos comerciais, de tentativas de sobrevivência das empresas de mídia no atual cenário de dominância das redes sociais comerciais, quais são as chances de seus jornalistas preferidos te contarem sobre as redes sociais não comerciais? (Aquelas redes sociais que não operam com publicidade, que nâo têm algoritmos impulsionando posts, que não remuneram os posts de seus participantes?).

O resultado é que, em detrimento da oferta de boa informação e do bem-estar das pessoas, prossegue o pacto de silêncio na “mídia” sobre as redes sociais não comerciais. E, para grande parte das pessoas, o que não aparece na “mídia” não existe – ou, se de alguma forma alcança os olhos ou ouvidos, não vale a pena considerar. Mas, as redes sociais não comerciais estão aí – disponíveis para o uso de quem quiser, de forma livre, sem as imposições e barreiras dos “jardins murados”. E o seu uso já provoca um grande upgrade na qualidade de vida de quem as escolhe.


[Janeiro 2024] Atualizado em: 18 agosto 2024

CC BY-NC-ND 4.0 2024 Tinta no Papel