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Uma breve história da Internet social



A Internet começou a ser usada no Brasil por volta de 1993, inicialmente pela comunidade universitária. Naquela época, usar a Internet era basicamente usar um e-mail e visitar sites (que não tinham fotos, imagens ou vídeos – mostravam apenas textos com links). Se, além de ter o seu e-mail (sua identidade on-line), você também quisesse “estar na Internet”, ter uma “presença” e um endereço on-line, você poderia ter uma página na web ou um site (um conjunto de páginas), onde você poderia escrever o que quisesse sobre os assuntos do seu interesse. Esta foi a primeira onda da presença on-line: a “página pessoal”. Mas, para ter isso, você tinha que fazer (programar/formatar) a sua página – e, poucas pessoas tinham conhecimento técnico para fazer isso. A Internet floresceu inicialmente nesta época, mas era povoada apenas por pessoas que tinham certos conhecimentos e habilidades com computadores. (Esta “visão” da internet, formada por páginas e sites pessoais independentes, continua existindo, atualizada – é a chamada indie web. Mas, por motivos que logo veremos, ela tem pouca visibilidade para a maioria das pessoas).

Isto foi o suficiente para que logo aumentasse a demanda social por presença on-line (presença na web). Todo mundo – que gostava de escrever, que achava que tinha algo interessante a dizer – queria escrever na Internet. Reconhecendo esta demanda, algumas empresas criaram um novo tipo de site: o blog (contração de “web log”). Abrindo uma conta em uma plataforma de blog, qualquer pessoa podia agora – sem ter conhecimentos técnicos – ter o seu próprio espaço para escrever o que quisesse para o mundo; ou, pelo menos, para os leitores do seu idioma. Foi um enorme sucesso. Logo, amadores e profissionais da escrita tinham o seu blog, muitos deles voltados a assuntos específicos. Foi assim constituída a “blogosfera”, o “espaço” na Internet que reunia os blogs e seus autores, “blogueiros” e “blogueiras”. Assim como havia liberdade para escrever, havia, principalmente, liberdade para ler: você podia acessar qualquer blog e ler – sem ter que abrir conta naquela plataforma, sem entregar o seu e-mail, sem precisar pagar; precisava apenas saber o endereço (URL) do blog ou encontrá-lo em um site de busca. Assim como na primeira, nesta segunda onda da presença na web, a onda dos blogs, as pessoas eram livres para circular on-line – acessar e ler o que quisessem. Havia o entendimento, disseminado na sociedade, de que a Internet era para acesso público, livre, para todos. E, todo mundo gostava muito disso.

Então, alguns empresários tiveram a ideia de criar zonas “fechadas” na Internet, para o seu próprio benefício financeiro. E, para fazer isso, eles criaram um novo espaço que chamaram de “rede social”. Em inglês, a expressão “social network” trazia implícita a referência ao mundo do trabalho, o que era já uma forma de conferir certa “importância” simbólica à plataforma. Muitas pessoas entraram; depois, as outras seguiram, e, então, todo mundo estava lá. Estar na rede social prometia algumas “vantagens”: 1) você não precisava escrever (como faziam as pessoas nos blogs), bastava postar um “bom dia” ou uma foto de um gato ou simplesmente repostar um post que alguém havia feito – os empresários queriam que a rede social fosse realmente usada por todos. 2) Você podia contatar facilmente (quase) qualquer pessoa, pois quase todos estavam ali. 3) Elas também prometiam maior visibilidade, alcance e mais interações para os seus posts (em comparação com a experiência dos blogs). Esta foi a terceira onda, ainda em curso (embora decadente), a das redes sociais comerciais.

Somente depois de vários anos veio a público como estes empresários faziam dinheiro com as pessoas confinadas nas redes sociais comerciais. Ficamos sabendo que estas empresas coletavam e compilavam dados pessoais dos usuários sem que estes tivessem consentido de maneira realmente informada. E que estes dados eram depois repassados a “empresas parceiras”, comercializados, usados pela rede para construir perfis para publicidade direcionada e mesmo manipulações ideológicas e eleitorais em larga escala. Isso ressoou como um grande escândalo na imprensa durante alguns dias, e depois, desapareceu. E, nos anos seguintes, voltou a reaparecer, diversas vezes, na forma de notícias de novos escândalos ou grandes multas recebidas por aquelas empresas ou depoimentos dos empresários a congressistas. Mas, surpreendentemente, diante destas repetidas notícias, apenas uma pequena minoria dos usuários daquelas redes fez o movimento de abandoná-las. Ocorreu assim porque as pessoas perceberam - de certa forma - que eram prisioneiras naquelas redes (que, se saíssem, perderiam os contatos iniciados e cultivados ali durante vários anos – isto foi planejado, claro, pelas empresas) e também porque a grande maioria das pessoas insatisfeitas não conhecia outras redes sociais que funcionassem de forma diferente e para onde poderiam migrar (sozinhas, inicialmente, se escolhessem fazer isso). Estas redes sociais "alternativas", não comerciais, tinham começado a surgir em 2008, mas, além de não possuírem recursos para publicidade, foram também mantidas invisibilizadas pelas grandes empresas de redes sociais. Quando ficou claro o que estava acontecendo, as grandes empresas de redes sociais passaram a ser chamadas – por quem estava fora delas – de walled gardens, “jardins murados” – “jardins” porque ficara evidente que elas haviam sido projetadas para funcionar como espaços (fechados) onde as pessoas encontravam algum entretenimento (eram entretidas...) de acordo com os objetivos dos programadores dos algoritmos; e, “murados” porque ali dentro da rede social comercial as pessoas eram (são) impedidas, pelos algoritmos, de ver o que acontece “lá fora” (não veem mais as páginas pessoais da indie web, a blogosfera, as redes sociais livres e não comerciais). Muitas pessoas esqueceram – e as mais jovens nunca souberam – que anos antes existia apenas (e continuava a existir, fora dos “jardins murados”) – uma Internet livre.

Neste atual contexto, que é de exploração psíquica e econômica, os blogs, que representavam certa autonomia e liberdade, foram deliberadamente depreciados pelas redes sociais comerciais como algo antigo, fora de moda, uncool. É, então, sempre motivo de alegria, nos dias atuais, ver relatos de pessoas que se libertaram das redes sociais comerciais e que voltaram aos blogs; assim como ver pessoas interessadas na ideia de jardins digitais (e os construindo); e, também, observar o crescimento da visibilidade de inovadoras redes sociais não comerciais.

[Junho 2023] Atualizado em: 18 agosto 2024


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