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Qualidades de conversas em redes sociais não comerciais



Em um texto anterior (Elogio da pequena escala) escrevi em certo momento:

Mas, nestas redes não comerciais, o mais importante é que, como a participação ali é geralmente destituída da noção pragmática de busca por vantagens, benefícios e ganhos (a própria “pequena” escala da rede favorece esta postura), as pessoas participantes irão se orientar, se movimentar, se conectar basicamente pela oportunidade de novos encontros, novas conversas, boas conversas com pessoas que conhecemos lá e com as quais descobrimos afinidades e interesses pessoais comuns.

Quando falo, ali, em “boas conversas”, estou fazendo uma valoração das minhas experiências de conversas nas redes que uso (Hubzilla, (streams) e Forte) e, especialmente, em conversas com pessoas que também usam estas mesmas redes sociais não comerciais – pois, neste contexto, as pessoas têm as mesmas condições de conversa.

Quando falo em condições de conversa, estou me referindo a três coisas:

1) A capacidade de definir, no meu post inicial, quem serão os (potenciais) participantes da conversa;

2) A ausência de limite de caracteres nos posts e comentários (este é o caso na rede (streams));

3) Uma dinâmica de conversa em que todas as pessoas (definidas como participantes da conversa) irão receber os comentários de todos, sem que ninguém precise “mencionar”/“taguear” ninguém nos comentários.

Quando você escreve o seu post ou os seus comentários numa janela de texto sem limite de caracteres – e com salvamento automático do texto digitado – você realmente não precisa se preocupar com nada mais além daquilo que você quer escrever (e como você quer escrever). O seu raciocínio, pensamento, ritmo, estilo, fôlego não serão perturbados pela necessidade de atentar para o número limite de caracteres da janelinha do post (para saber se é melhor parar naquela frase e continuar na próxima janelinha). O seu pensamento e a sua escrita simplesmente fluem.

Da mesma forma, a naturalidade da conversa se amplia quando, no momento de escrever o seu próximo comentário, você simplesmente escreve o texto, sem a necessidade de “mencionar”/“taguear” quaisquer participantes da conversa, pois você sabe que todos verão o seu comentário na conversa e todos também receberão a notificação informando que você fez o comentário (isto é, aqueles que escolheram receber este tipo de notificação).

A título de exemplo, eis algumas informações sobre uma conversa da qual participei há dois meses.

Eu fiz o post inicial – em um dos canais da minha conta na rede (streams). Ao fazer o post, para definir a sua audiência, escolhi usar uma determinada lista de acesso – na qual eu havia cadastrado quatro pessoas. Então, éramos cinco pessoas na conversa. (Eu nunca as encontrei pessoalmente. Eu as conheci on-line, alguns anos atrás, como participantes das redes (streams) e Hubzilla). A conversa se desdobrou em 47 comentários, feitos ao longo de 20 dias. Foram escritas 14.876 palavras – ou, 88.801 caracteres (incluindo espaços). Duas pessoas participaram mais da conversa do que as outras três. Ainda assim, se calculamos a média da extensão dos comentários (considerando todos os 47), temos uma média de aproximadamente 1.889 caracteres (com espaços) por comentário. Isso mesmo: na média, quase 2.000 caracteres por comentário, ao longo de 47 comentários, em 20 dias. Foi uma conversa bastante informativa, rica, aprofundada. E, não foi um evento único, uma exceção; já participei, na rede (streams), de conversas mais extensas (em número de caracteres) e mais longas (na duração) do que esta.

Claro, nem sempre é assim; e nem precisa ou deve ser sempre assim. Mas, quando um tema encontra as pessoas interessadas na conversa, a coisa acontece. No entanto, certas coisas só acontecem quando são dadas as condições – e ali (nestas redes que uso) estão reunidas as condições para que uma conversa deste tipo aconteça de forma confortável, fluida, tranquila e segura.

Hoje, nas sociedades e nas mídias mainstream, há uma espécie de consenso de que as “redes sociais” são o terreno do discurso raso, rápido, curto, superficial, lacrador, marqueteiro... Bem, isto depende daquilo que você conhece, de para onde você está olhando. Isto não é o que eu vejo por aqui, do meu canto específico das redes sociais não comerciais. (Infelizmente, algumas redes não comerciais resolveram copiar certas características de redes comerciais – que não favorecem o surgimento e o desenvolvimento de boas conversas).

Anos atrás, quando uma rede social comercial surgiu oferecendo aos seus usuários uma janelinha de 140 caracteres, qual era a sua intenção ao fazer isso? Que tipo de “conversa” aquela rede planejou que nascesse daquela estrutura? E, que novo cálculo de engajamento e monetização fez aquela rede recalibrar o seu limite de caracteres para 280? Esta rede foi a referência e a inspiração para a criação (um ano depois do surgimento de Hubzilla, em 2015) de uma rede no campo das redes sociais não comerciais. Mas, a rede comercial em questão era um modelo razoável para se tomar como referência?

A conversa que mencionei acima, desenvolvida em 47 comentários, se tivesse que ocorrer numa rede que limitasse o post a 140 caracteres demandaria a produção de 634 posts. Numa rede com limite de 280 caracteres, seriam necessários 317 posts. Numa rede com limite de 500 caracteres, seriam necessários 177 posts. Quais as consequências da imposição destes níveis de fragmentação a uma conversa?; e ao próprio incentivo e cultivo do pensamento a se desenvolver ali?

Sim, o desenho de uma rede social modula as maneiras como as pessoas ali irão interagir e se relacionar – assim como a qualidade final de suas conversas e experiências on-line.


[24 junho 2025]

Atualizado em: 24 junho 2025

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