Elogio da pequena escala
Quando lemos ou ouvimos falar sobre novas, emergentes redes sociais, frequentemente um tópico que é discutido é o seu atual tamanho e o seu potencial de crescimento. Este objetivo, o do crescimento, é fácil de compreender quando se tratam de redes sociais comerciais, uma vez que, quanto mais usuários a rede puder explorar (como ocorre atualmente, em função do seu modelo de negócio), melhor para o dono da rede social e/ou seus acionistas. Nesta perspectiva, trabalha-se para aumentar o “efeito rede” da rede social, uma vez que, fortalecendo-o, mais pessoas criarão contas lá e a rede crescerá.
O efeito rede é frequentemente compreendido como uma força de atração que alguém experimenta, derivada da percepção de potencial obtenção de vantagens, mesmo no curto prazo, simplesmente por estar conectado a uma rede social; pois, desta forma, pode-se acessar pessoas específicas, estabelecendo-se assim conexões que poderiam trazer benefícios diversos para a pessoa que buscou a conexão. Naturalmente, nesta perspectiva, quanto mais pessoas esta rede tiver, maior será a percepção de benefícios e vantagens pessoais potenciais que se poderá obter participando da rede. Desta forma, estamos falando de uma visão utilitarista e pragmática a “atrair” ou “empurrar” pessoas para usar esta rede. E num contexto no qual, decididamente, o número de pessoas na rede importa.
Além desta perspectiva pragmática de percepção de potencial obtenção de vantagens futuras – para quem esteja ativamente buscando tais vantagens – penso que o efeito rede é também composto (e fortalecido) por outras duas dimensões:
1) O já bem conhecido FOMO (fear of missing out) – o medo de perder algo, de não participar de algo (que poderia te trazer algum tipo de vantagem ou benefício, seja no campo financeiro/comercial/profissional, no campo romântico, no campo do entretenimento ou das amizades). Sim, muitas pessoas consideram estas situações de possibilidade de eventuais benefícios mesmo quando elas se informam sobre elas em redes que as exploram de várias maneiras;
2) O medo de ser julgado ou criticado – pelos amigos, conhecidos e mesmo desconhecidos – por expressar posições (e realizar comportamentos) divergentes daqueles majoritários nos grupos e comunidades aos quais a pessoa pertence.
Há, neste contexto das redes sociais comerciais, a ideia de que, quanto maior a rede, melhor e mais valiosa ela será, pois “todo mundo” está lá e portanto você poderia potencialmente acessar qualquer pessoa que você quisesse. Mas, quem é mesmo que precisa ou faz questão de ter esta perspectiva de acesso potencial a qualquer um? (E, ainda mais, lembrando que o outro terá a possibilidade, maior ou menor, a depender da rede, de regular este acesso?). E, quem é que quer se deixar acessar por todos? Mas, principalmente: e quando você não tem interesse em usar redes sociais para perseguir ou potencializar interesses comerciais ou profissionais? Mas quer apenas usar redes para estar em contato, se relacionar com pessoas já conhecidas e conhecer novas pessoas e ter com elas boas conversas num contexto desinteressado do ponto de vista financeiro/comercial? E, também, sem ser explorado pela rede?
Se a rede é uma rede social não comercial, portanto, o cenário é todo outro. Primeiro, não há a necessidade de um projeto de crescimento, ou de grande crescimento. Como ninguém vai ganhar dinheiro com a rede, não há um incentivo (financeiro) para que ela cresça – o crescimento será orgânico, pelo interesse das pessoas. E, especialmente, o grande crescimento de determinadas instâncias (sites) destas redes só aumentará a probabilidade de dificuldades, devido ao aumento dos custos de manutenção da instância e dos esforços necessários para a moderação (no caso de redes que não possuem recursos que tornam a moderação virtualmente desnecessária – as redes Hubzilla, (streams) e Forte possuem tais recursos). Sendo assim melhor, portanto, que se criem mais instâncias menores do que poucas instâncias com muitas pessoas. O fato de uma destas redes se comunicar também com outras redes não comerciais diminui ainda mais a importância do seu tamanho próprio (em número total de instâncias e participantes). Afinal, o que na prática vai se observar e considerar, é o número total de participantes em todas as redes não comerciais – hoje, número muito mais do que relevante e suficiente, na casa dos milhões de pessoas em todo o mundo.
Mas, nestas redes não comerciais, o mais importante é que, como a participação ali é geralmente destituída da noção pragmática de busca por vantagens, benefícios e ganhos (a própria “pequena” escala da rede favorece esta postura), as pessoas participantes irão se orientar, se movimentar, se conectar basicamente pela oportunidade de novos encontros, novas conversas, boas conversas com pessoas que conhecemos lá e com as quais descobrimos afinidades e interesses pessoais comuns. Como a nossa capacidade – em termos de tempo e energia disponíveis – para ter realmente boas conversas com outras pessoas é bem limitada, a questão do número de pessoas presentes na rede torna-se ainda menos relevante, pois mesmo numa rede de (relativa) pequena escala, com poucos milhares (ou poucos milhões) de pessoas, este número é já suficiente para que as afinidades se encontrem e as relações se estabeleçam – não atravessadas por interesses comerciais. E, a experiência parece mostrar que, esta própria pequena escala – ao lado de todos os benefícios de se usar uma rede não comercial – é já um fator que é capaz de produzir um tipo peculiar de efeito rede: aquele, agora, que atrai pessoas interessadas nos tipos específicos de valores e experiências que estas redes representam e proporcionam.
[22 junho 2025]
Atualizado em: 22 junho 2025