Adulto(a), será que o que é bom para crianças e adolescentes também é bom para você?
No meio de junho de 2024, duas notícias me chamaram a atenção. A primeira foi que o Surgeon general, a autoridade máxima da Saúde dos Estados Unidos pediu que o Congresso colocasse selos de advertência (como aqueles colocados em maços de cigarro e em latas e garrafas de bebidas alcoólicas) nos apps das redes sociais (comerciais), devido às associações que têm sido feitas, nos últimos anos, entre o uso destes aplicativos e problemas observados na saúde mental de crianças e adolescentes. Tal solicitação, feita por uma autoridade deste nível, parece que despertou alguns estratos da sociedade e ganhou manchetes nos jornais. E, a partir de agora, está nas mãos do Congresso daquele país.
No dia seguinte, vi que um podcast jornalístico publicou um episódio (Celular deve ser banido para crianças e adolescentes?) e o escutei. Assim, fiquei sabendo que anda acontecendo na Internet brasileira um movimento de pais de estudantes que, preocupados com os impactos do uso das redes sociais (comerciais) nas crianças e adolescentes (em seu desenvolvimento cognitivo, capacidade de concentração, rendimento escolar, saúde mental), estão articulando estratégias para diminuir ou eliminar este uso. As estratégias incluem proibir que estudantes usem o celular em todo o tempo em que estão na escola, somente liberar o uso de redes sociais aos 16 anos e dar aos estudantes apenas celulares simples (não smartphones) até o início do ensino médio – ação que, entendem os pais, só pode ter sucesso se os outros pais de estudantes da escola também fizerem o mesmo, uma vez que só assim se corta aquele argumento das crianças e jovens (“Mas todos os meus colegas têm smartphone!“).
Tais movimentos dos pais também é resultado do impacto da recente publicação do livro do psicólogo social e pesquisador Jonathan Haidt, A geração ansiosa: Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais.
É bom ver, finalmente, alguma movimentação dos pais em relação a esta questão. (E, avançando neste ponto até 20/12/2024, quando atualizo este texto, é notável ver como esta movimentação tem produzido efeitos rapidamente: no fim de novembro, a Austrália aprovou a proibição de redes sociais (comerciais) para menores de 16 anos, e, há dois dias, o Senado brasileiro aprovou projeto que proíbe celular nas escolas em todo o país – o texto indo à sanção presidencial).
No entanto, o que realmente me chamou mais a atenção na cobertura jornalística deste conjunto de eventos foram três coisas:
a) Mais uma vez – podemos mesmo dizer, como sempre – os agentes apontados como causadores dos problemas são chamados, simplesmente, de “redes sociais”, quando, na verdade, os jornalistas estão falando unicamente, e todo o tempo, das redes sociais comerciais. E, em nenhum momento eles informam os leitores e espectadores sobre a existência das redes sociais não comerciais, que, vejam só, não provocam os diversos problemas que estão deixando os pais exasperados.
b) Não é, portanto, o telefone celular que é o problema, mas sim os apps das redes sociais comerciais que estão instalados nele. Note que, quando você compra hoje um novo smartphone, alguns destes apps já estão instalados – sem que você tenha solicitado isso; na verdade, sem que você tenha sido sequer consultado(a) sobre isso!
c) Os adultos que encampam esta discussão e movimento (aparentemente) não se implicam no contexto; não estão reconhecendo que eles também estão sendo vítimas dos modos de funcionamento das redes sociais comerciais; também eles têm tido a sua saúde mental impactada – pois, não propõem, para eles mesmos, medidas semelhantes de limitação de uso das redes sociais comerciais – ou, o abandono destas redes.
Por que não estamos vendo os adultos propondo e adotando tais medidas para eles mesmos? Provavelmente porque (1) apesar de reconhecer os problemas e malefícios das redes sociais comerciais, eles encontram nelas alguns benefícios; (2) eles conhecem somente as redes sociais comerciais (e, assim, não consideram razoável ou viável deixar de usá-las).
Se este é o cenário, estamos, aqui, informando os adultos sobre a existência das redes sociais não comerciais. Elas não têm as características das redes sociais comerciais que produzem todos aqueles problemas na saúde mental de seus usuários (de qualquer idade).
Se os pais, para o benefício de seus filhos, conseguem se organizar em um movimento combinando entre eles que não darão smartphones (ou acesso às redes sociais comerciais) a seus filhos até que eles tenham uma determinada idade, acredito que estes mesmos pais tenham também a capacidade de – agora para o seu próprio benefício – usar aquele mesmo movimento ou criar algum outro para combinar entre eles e com outras pessoas adultas uma ação coletiva de utilização das redes sociais não comerciais. Não necessariamente, de início, um movimento com o objetivo de uma “migração” completa, definitiva, em um prazo curto (como um “dia da migração” ou “semana da migração”) – mas, um movimento geral de ocupação e uso das redes sociais não comerciais, que possa ser realizado e comunicado de forma contínua, permanente, às pessoas conhecidas.
Imagino que, se estes pais resolveram se unir para agir e assim proteger os seus filhos – e não contatar as redes sociais comerciais solicitando que elas façam mudanças para protegê-los – é porque, por conta de tudo o que já aconteceu, estes pais não acreditavam mais em nenhuma mudança positiva que poderia vir daquelas redes comerciais, seja por iniciativa delas ou por solicitação deles. Ora, não seria esta mesma situação relacionada às queixas e insatisfações dos adultos, relacionadas também ao uso das redes sociais comerciais?
Sabe-se que os algoritmos das redes sociais comerciais são desenhados para maximizar o tempo de uso dos usuários, o que, naturalmente, contribui para aumentar o “tempo de tela” total diário das pessoas (somado às demais telas: computador, tablet, TV, videogames...). Mesmo quando não consideramos os malefícios específicos produzidos pelo desenho algorítmico das redes sociais comerciais, o aumento do tempo de tela diário já é um fator de risco e preocupação. Tempo excessivo de tela é definido como mais de duas horas por dia fora do horário de trabalho.
Nos últimos anos, pesquisas mostraram que o aumento do uso de telas entre adultos pode prejudicar o aprendizado, a memória e a saúde mental, além de aumentar o risco de neurodegeneração precoce. Achados específicos mostraram que:
Em adultos com idade entre 18 e 25 anos, o tempo excessivo de uso de telas causa o afinamento do córtex cerebral, a camada mais externa do cérebro responsável pelo processamento da memória e das funções cognitivas, como a tomada de decisões e a resolução de problemas. Adultos que assistiam à televisão por cinco horas ou mais por dia tinham um risco maior de desenvolver doenças relacionadas ao cérebro, como demência, derrame ou Parkinson. Adultos que passam muito tempo na tela ou que têm um diagnóstico de vício em smartphones têm menor volume de massa cinzenta. A massa cinzenta é o tecido cerebral essencial para o funcionamento humano diário e é responsável por tudo, desde o movimento até a memória e as emoções. O tempo excessivo de tela pode prejudicar o sono, especialmente quando se olha para as telas tarde da noite. A luz da tela pode atrasar a liberação de melatonina da glândula pineal do cérebro, afetando o ritmo circadiano natural do corpo e causando dificuldade para dormir.
Então, me parece que começar a usar redes sociais não comerciais, livre de algoritmos viciantes, é, sem dúvida, uma medida que contribui para a diminuição do tempo de tela diário – trazendo, portanto, benefícios também aos adultos.
///////////////////////
Se você, adulto(a), acha interessante a perspectiva de usar redes sociais sem prejudicar a sua saúde mental, estas são coisas que você pode fazer:
1) Abra uma conta em uma rede social não comercial;
2) Informe seus amigos sobre a existência das redes sociais não comerciais e convide-os para abrir uma conta também – na mesma rede em que você abriu ou em outra rede, já que estas redes se comunicam umas com as outras;
3) Escreva para seus jornalistas preferidos, informe-os sobre a existência das redes sociais não comerciais e peça que eles(as) façam matérias sobre este assunto em seus veículos; afinal – diga a eles(as) – este é um assunto de interesse público.
Para realizar estes movimentos, você e seus amigos não precisam abandonar de vez ou repentinamente as redes sociais comerciais – este pode ser um processo gradual, mais lento para umas pessoas, mais rápido para outras. O importante é começar a usar redes sociais que não afetam negativamente as suas vidas (e que, na verdade, são projetadas com o objetivo de – verdadeiramente – melhorar a experiência de seus participantes). As diferenças, os benefícios, você constatará rapidamente.
[27 junho 2024] Atualizado em: 20 dez. 2024