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Suas relações sociais determinadas por corporações capitalistas?



Esta é uma questão importante a considerar quando pensamos sobre a possibilidade de usar ou não as redes sociais comerciais: o quanto você tem interesse em deixar que suas relações sociais — inclusive as suas relações de amizade e amor — sejam mediadas e determinadas por corporações capitalistas?

Para pensarmos sobre esta questão, vamos considerar três momentos:

1) Os anos anteriores a 2004, quando não existiam as redes sociais comerciais na Internet; 2) O ano de 2004 (e os seguintes), quando surgem as primeiras redes sociais comerciais (Orkut / Facebook); 3) O momento atual (2024), quando já existem redes sociais não comerciais (elas começaram a surgir em 2008 e ampliaram a sua visibilidade a partir de 2016).

1) Os anos anteriores a 2004, quando não existiam as redes sociais comerciais na Internet

Naquela época, certas empresas (corporações capitalistas) mediavam, de certa maneira, as nossas relações sociais, inclusive as de amizade e amor. Vamos tomar como exemplo inicial um tipo importante de empresa neste cenário: o bar. As pessoas vão aos bares para socializar: para conversar com amigos, para conhecer novas pessoas e para paquerar. Cada bar é uma corporação capitalista que cumpre uma relevante função social em sua cidade, possibilitando e mediando interações sociais entre seus clientes ocasionais ou frequentes, estabelecendo, entre eles, uma forma de rede social. Mas — lembremos que há ruas onde há vários bares, um ao lado do outro — um bar não impede, não proíbe que você veja e converse com pessoas que estão no bar ao lado; ou que você e seus amigos paguem a conta e vão todos juntos continuar a conversa no bar ao lado, ou em um outro bar, em outro bairro da cidade. O bar realiza, assim, uma mediação da sociabilidade segundo uma lógica aberta, na qual as pessoas podem circular livremente entre as várias empresas, mantendo ativas as suas relações sociais. O mesmo vale para outros sites corporativos em nossas cidades que também mediam as relações sociais: restaurantes, cinemas, teatros, parques privados. (Nota: para socializar e se divertir nestes lugares (empresas), as pessoas pagam). Era assim que as pessoas estavam acostumadas a experienciar a sociabilidade mediada pelas empresas. (No caso da sociabilidade vivida nos espaços públicos — ruas, praias, instituições e parques públicos — as pessoas pagam também, através dos impostos).

2) O ano de 2004 (e os seguintes), quando surgem as primeiras redes sociais comerciais (Orkut / Facebook)

Quando surgiram na Internet estas novas corporações capitalistas de mediação da sociabilidade, as redes sociais comerciais, elas resolveram adotar um diferente modelo de negócio, em que não cobravam (um valor) de seus clientes; ou, assim parecia ser, naquele momento inicial. Vários anos tiveram que passar para que as pessoas percebessem e entendessem que, na verdade, na relação com as empresas, quando você não está pagando, você é o produto. E, para manter este modelo de negócio e assegurar o fluxo contínuo na extração de nossos dados pessoais para a venda – aos verdadeiros clientes – de espaços para publicidade direcionada, estas empresas adotaram uma lógica fechada, para assegurar o permanente acesso aos seus recursos (os usuários). Assim, entrando em uma rede social comercial, você perde a sua liberdade e só pode, ali, ver e interagir com pessoas que também estão lá dentro — e isso, conforme as regras de visibilidade e interação que a empresa decide e impõe, sem te consultar, para maximizar os seus lucros. A oferta deste ambiente de sociabilidade fechado e regido por regras (algoritmos) ocultas foi o que fez com que estas redes sociais comerciais passassem a ser chamadas de “jardins murados”. Durante vários anos, excetuando as interações on-line pessoa a pessoa (por e-mail, por exemplo), isto era tudo o que havia para o público em geral no que diz respeito à sociabilidade on-line; não havia escolha ou alternativa para um outro modelo. Ou você ficava preso no jardim murado — e condicionado por ele — ou você saía de lá e corria um sério risco de perder o contato com amigos e pessoas de outros círculos. É, então, até compreensível que este esquema tenha durado (e ainda dure, para muitos) por tanto tempo e para tantas pessoas, apesar das experiências de insatisfação e mesmo sofrimento relatadas frequentemente pelos usuários.

3) O momento atual (2024), quando já existem redes sociais não comerciais

Mas, já estão disponíveis redes sociais não comerciais, que não operam da maneira descrita acima. Elas não adotam aquele modelo de negócio simplesmente porque elas não são um negócio. E isso abre as portas para que o seu funcionamento seja pensando e definido colocando no centro a autonomia, a liberdade e o controle do participante da rede. Estas redes são feitas por pessoas para pessoas. Elas têm um funcionamento transparente, livre de abusos à privacidade e de uso dos dados pessoais dos seus participantes. Elas são descentralizadas (permitindo que qualquer pessoa com suficiente conhecimento técnico crie e gerencie um “nó” (instância) da rede) e possibilitam a comunicação com outras redes não comerciais (sendo, portanto, redes abertas). E, elas estão disponíveis para você começar a usar (e convidar os amigos), hoje mesmo.

Assim, ao contrário daquele momento em que só haviam as redes sociais comerciais, hoje, felizmente, há ótimas alternativas na forma das redes sociais não comerciais. Neste novo cenário, qual será a sua escolha, o seu movimento, a sua decisão?

Muitos usuários de redes sociais comerciais, quando ficam sabendo da existência de redes sociais não comerciais muitas vezes recebem esta informação como uma espécie de ameaça, como se esta possibilidade que lhes é apresentada estivesse solicitando ou exigindo que a pessoa abandone as redes sociais comerciais para então começar a usar as redes sociais não comerciais — quando, na realidade, esta solicitação não é feita. Você pode perfeitamente seguir usando as redes comerciais — ao mesmo tempo que começa a experimentar e conhecer as redes sociais não comerciais. Logo, logo, te asseguro, esta dupla e simultânea experiência, te propiciará interessantes observações sobre a qualidade da sua experiência usando um tipo de rede social e o outro.


[Janeiro 2024] Atualizado em: 18 agosto 2024

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