Como trazer amigos para uma rede social não comercial?
Há uma conversa que ressurge periodicamente entre os participantes de redes sociais não comerciais. Ela gira em torno da dificuldade de “trazer amigos”, fazendo com que eles usem uma rede social não comercial.
Depois de algum tempo pensando sobre o que poderia explicar essa dificuldade, compartilho minhas ideias abaixo.
Só cheguei às ideias principais relatadas aqui no final de uma conversa muito longa e rica sobre esse assunto, com um amigo que conheci em uma dessas redes sociais. Agradeço a ele.
Um fato inicial Primeiramente, algo que parece ser um fato inicial: é muito difícil para uma pessoa que usa uma rede social há vários anos (tendo conexões/relacionamentos bem estabelecidos com amigos e outras pessoas nessa rede) se interessar em abrir uma conta em qualquer outra rede social em que seus amigos e conhecidos não estejam presentes. (Isso tem relação com o conhecido efeito rede).
E, de certa forma, não importa se essa “nova” rede social é uma rede social não comercial ou não. Muitas pessoas acham que essa dificuldade está intrinsecamente relacionada às redes sociais não comerciais (relacionada à necessidade de 1) escolher uma dessas redes sociais e, em seguida, 2) escolher uma de suas instâncias (sites) para abrir a conta), mas acredito que essa é uma concepção errada. Portanto, a seguir, falarei sobre redes sociais não comerciais, mas acredito que essas ideias sejam válidas para qualquer rede social em que os amigos e conhecidos das pessoas não estejam presentes.
Primeira pergunta: Por que é tão difícil fazer com que uma pessoa se interesse (e “entre”) em uma rede social não comercial?
Acredito que isso ocorra devido a uma conjunção de fatores (nem todos eles necessariamente presentes em todas as pessoas):
a) Como não há efeito rede que atraia a pessoa para a nova rede social (além do convite ou chamado de uma única pessoa/amigo, como geralmente acontece), a pessoa não vê “valor” suficiente nesta possível mudança.
b) Como as pessoas não veem publicidade sobre redes sociais não comerciais (infelizmente, a publicidade também é um recurso que molda o nosso mundo), não veem outras pessoas entrando nestas redes (ou dizendo que estão entrando nelas), as pessoas não sentem esta perspectiva como real.
c) Muitas pessoas têm dificuldade para entender o que é uma rede social não comercial e como ela funciona. Isso ocorre porque 1) após duas décadas de uso, elas estão mais do que acostumadas com a mesma maneira de funcionar das várias redes sociais comerciais que usam ou usaram (estão até mesmo resignadas (ou anestesiadas) com os abusos cometidos por essas empresas) e, portanto, acham difícil entender algo que realmente se apresenta como um paradigma diferente; 2) mesmo que a pessoa seja adolescente e só recentemente tenha começado a usar as redes sociais comerciais, as redes não comerciais ainda causarão algum incômodo, pois exigem uma posição mais ativa e consciente da pessoa que as utiliza, na qual você faz escolhas (primeiro a rede social, depois o seu site/instância) e depois muda de posição: você deixa de ser apenas um “usuário” de um serviço industrial e se torna um “participante” em um contexto que está sendo constantemente construído por essa comunidade de participantes.
d) As pessoas percebem e sentem a possibilidade de entrar em uma rede social não comercial (que, ao mesmo tempo, confundem (equivalem) com o abandono das redes sociais comerciais que já usam) como uma ameaça existencial. Eles já chegaram ao ponto de identificar as suas presenças on-line nestas redes com sua própria identidade e, portanto, lidam com essa possibilidade como se estivessem lidando com a perspectiva de uma morte (simbólica).
e) O movimento subjetivo de descartar esse convite ou chamado (de entrar em uma rede social não comercial) ganha a ajuda e a força do fator conveniência. A pessoa diz a si mesma que seria um grande incômodo e uma enorme tarefa sair das redes sociais comerciais (novamente, quando isso não é solicitado), além dos prejuízos sociais e até profissionais que isso poderia trazer... e, dessa forma, a pessoa afasta o assunto de sua mente.
f) Muitas pessoas estão condicionadas (e viciadas) pelo excesso de estímulo das interfaces semelhantes a máquinas caça-níqueis das redes sociais comerciais; e, muitas vezes, quando acabam abrindo uma conta em uma rede social não comercial (que não tem essas estratégias viciantes), elas experimentam grande estranheza, o que, por si só, pode levar ao desinteresse pela rede social.
Segunda pergunta: Mas como há milhões de pessoas usando redes sociais não comerciais, quem são essas pessoas que se interessaram em entrar nestas redes?
Acredito que são pessoas que têm algumas (ou todas) destas características:
a) elas ficaram e estão indignadas com as várias ações e modos de exploração praticados pelas redes sociais comerciais;
b) elas gostam da novidade de usar e explorar uma nova rede social, porque acham divertido fazer coisas novas e desconhecidas;
c) elas não têm seu senso de conforto – conveniência – acionado ou ameaçado pela perspectiva de construir do zero uma nova presença on-line em uma nova (e diferente) rede social;
d) elas não fizeram o movimento subjetivo de identificar suas presenças/perfis on-line em redes sociais comerciais com suas próprias identidades;
e) elas têm conhecimento técnico sobre computadores e Internet, desenvolvimento de software e/ou ciência da computação em geral.
Acredito que, quanto mais destas características uma pessoa tiver, maior será a probabilidade dela se interessar ou se sentir atraída por uma rede social não comercial. Observação: apenas a e) é uma característica objetiva (e que a maioria das pessoas não tem); as outras quatro são características subjetivas (portanto, não sabemos, de antemão, quem as apresenta).
Em outras palavras, penso que a dificuldade de trazer amigos está relacionada a:
- falta de “referências” sobre a “nova” rede social (amigos e conhecidos não a usam e não comentam; não há (quase) nenhum comentário na mídia sobre ela; não há publicidade);
- falta de compreensão ou compreensão insuficiente do que é uma rede social não comercial e como ela funciona;
- falta de compreensão sobre os motivos e as vantagens de usar uma rede social não comercial;
- medo de se desconectar dos amigos (mesmo quando não dizemos às pessoas para pararem de usar as redes sociais comerciais);
- conveniência (evitar o esforço/trabalho de encontrar e se conectar com amigos novamente e reconstruir a rede pessoal/profissional. E... a maioria das pessoas não estará lá (ainda) – o efeito rede novamente...);
- falta de vontade e/ou de curiosidade para aprender coisas novas (como usar a nova rede) – parcialmente produzidas pelo fator conveniência;
- o fato de os usuários de redes sociais comerciais terem sido condicionados a uma experiência de superestimulação e “recompensas” pelas interfaces dessas redes.
Portanto, se as coisas são realmente assim, então é praticamente impossível trazer pessoas para “redes sociais (onde a pessoa não tem amigos)”. E então o conjunto de redes sociais não comerciais é simplesmente um lugar que “atrai naturalmente” pessoas com um determinado perfil, com determinadas características: aquelas a), b), c), d) e e) mencionadas acima.
Portanto, se você convidar um(a) amigo(a) ou outra pessoa para usar uma rede social não comercial, o fato de ele(a) passar a usá-la ou não dependerá, creio eu, mais de quem ele(a) é (suas características pessoais/subjetivas) e menos da “qualidade” do seu convite/apresentação da nova rede. É claro que uma boa comunicação/apresentação da rede é sempre importante e necessária, mas não será o fator decisivo. Em resumo, acredito que, da forma como as coisas estão estruturadas atualmente, com redes sociais não comerciais sem a possibilidade de fazer publicidade para aumentar sua visibilidade e seu “valor simbólico”, a decisão de começar a usá-las – uma vez que alguém as conheça e entenda como elas funcionam – tende a ser uma ação fácil e espontânea quando a pessoa tem um determinado perfil – e muito improvável se a pessoa não tiver este perfil. Portanto, pode-se dizer que, atualmente, as redes sociais não comerciais não são para todos – ou, atualmente, nem todos são “compatíveis” com redes sociais não comerciais.
Movimentos sugeridos para tentar trazer amigos para uma rede social não comercial
Apesar do cenário (possível) que acabamos de descrever, não há nada que o(a) impeça, é claro, de tentar trazer seus amigos e outras pessoas para redes sociais não comerciais. Afinal de contas, pode haver alguém (ou algumas pessoas) entre seus amigos e conhecidos com um perfil que seja “compatível” com redes sociais não comerciais.
Algumas ações que sugerimos:
Apresente os motivos (e as vantagens) para abrir uma conta em uma rede social não comercial (diga a eles de que forma é interessante usá-la, de acordo com a sua experiência).
Apresente os principais recursos da rede social não comercial que você usa.
Oriente seu amigo a usar a rede social não comercial que você usa. Recomende (ou escreva) um guia básico em português para o uso desta rede social.
Mostre a seus amigos contas de pessoas que você considera interessantes (nas redes sociais não comerciais).
Fale com seus amigos – em situações cotidianas – sobre as redes sociais não comerciais.
Crie uma mensagem curta sobre (ou um link para) a rede social não comercial que você usa e coloque-a em locais que pessoas conhecidas e desconhecidas verão. Exemplos: na assinatura do seu e-mail; no seu site; em uma camiseta ou boné personalizado; em uma folha A5 na parede do seu local de trabalho; em um adesivo no vidro do seu carro; na sua bio em uma rede social comercial (se você ainda usa uma delas).
Se possível, ajude a migrar um grupo inteiro de amigos para uma rede social não comercial.
Se você tiver um(a) amigo(a) jornalista, converse com ele(a) sobre as redes sociais não comerciais e pergunte se ele(a) estaria interessado(a) em escrever uma matéria sobre estas várias redes (não apenas sobre uma ou duas delas). Ofereça-se para colaborar com a pessoa, fornecendo informações e links/sites para que ela pesquise e aprenda mais sobre o assunto.
Mencione o fator da autonomia de poder abrir e gerenciar o seu próprio site/instância de rede social (se a pessoa tiver conhecimento técnico, meios e interesse nesta possibilidade).
Compartilhe textos de sua preferência que apresentem redes sociais não comerciais – ou pesquise o assunto, escreva seu próprio texto e compartilhe-o.
Faça uma apresentação pública (ou uma série delas) apresentando as redes sociais não comerciais. Faça isso em uma sala ou auditório de sua faculdade ou universidade; ou em uma instituição em sua cidade, como uma biblioteca pública ou instituição cultural; ou grave uma apresentação em vídeo, publique-a no PeerTube e compartilhe o link onde quiser.
Lembre (ou informe) seus amigos sobre os abusos das redes sociais comerciais (violações de privacidade, uso indevido de dados pessoais, tentativas de influenciar eleições, divulgação de notícias falsas, mentiras sucessivas e promessas públicas não cumpridas).
Se você parou de usar as redes sociais comerciais, conte a seus amigos sobre sua mudança, forneça a eles o endereço de seu novo perfil/conta/canal (na rede social não comercial que você escolheu) e convide-os a abrir também uma conta em uma destas redes sociais (elas se comunicam entre si, diga a eles). Importante: deixe claro que, para fazer isso, eles não precisam parar de usar as redes sociais comerciais que usam atualmente.
Se estiver interessado(a) em ter (e administrar) seu próprio site de rede social não comercial, você pode optar por permitir que algumas pessoas abram uma conta nele – talvez pessoas de um grupo específico, como amigos, familiares, pessoas interessadas em um determinado assunto (de forma amadora ou profissional), praticantes de um hobby – ou pessoas de mais de um grupo. Apresente as regras de conduta que você estabeleceu para o site. E, se quiser, você pode solicitar às pessoas interessadas uma pequena taxa, apenas para cobrir os custos do site (hospedagem web e domínio/URL).
[29 set 2024] Atualizado em: 29 junho 2025.